Isso de “rubricas”. É rúbrica ou rubrica? Nunca sei. Modernamente falando, o autor não deve colocar essas indicações para o ator, sabe? Mas é isso: o diretor é que deve direcionar o ator sobre a interpretação. Um escritor – mas é muito arrogância de alguns, vem aqui, no nosso espaço de criação, que é o palco, o estúdio, e ficam se metendo a espertalhões, querendo nos guiar! O diretor é quem é nosso guia, nosso mestre, nosso deus! E não digo isso pra bajular, só porque um diretor fica presente nos testes! Eu sempre pensei desse jeito! E também não é porque quero um dia dirigir. Eu não tenho pretensão de ser diretor, não, nunca! Eu jamais teria a competência, a magnificência para dirigir. São pessoas especiais! Só um diretor é capaz de fazer um ator interpretar como deve! O diretor é nosso líder! Nosso pastor! Nós, atores, não passamos de gado! Não foi o Hitchcock que disse? Ou Spielberg? George Lucas? Bom, não lembro, mas foi um diretor milionário, sem dúvida. Todo diretor devia ser milionário! E vão ser, se Deus quiser! Diretor ou diretora!
Mas, como eu dizia: nós, atores, somos gado! Nós, atores e atrizes, somos uns bois! Umas vacas! Somos… Umas carinhas bonitas. Nós merecemos todos os testes do sofá em que não passamos! E os que passamos, temos de agradecer! Beijar os pés de quem nos aprovou! Chupar cada dedinho! Ai! Que delícia!
Mas, o que é que eu dizia? Ah, sim! Estes escritores metidos. Aqui diz, no papel: “Fulano de tal, ator, entra com o telegrama na mão… e, entre parênteses, está escrito aqui: “chora”. Então. É muita pretensão! E se o nosso ilustríssimo e glorioso diretor achar que é pra gente rir? Ou gritar? Ou ficar impávido colosso em berço esplêndido? Quem melhor que o diretor pra dizer, pra guiar, pra salvar um texto? Só um diretor entende o que deve ser feito! Um escritor nunca subiu num palco, nunca entrou num cenário, nunca ficou diante de uma câmera! O escritor é um limitado, artisticamente falando! “Telegrama na mão”? Esse cara escreve essa bobagem? Ele não tem email? Celular? WhatsApp? Se o diretor não adaptar um texto, é fracasso! Ficar gastando tempo enchendo o texto de expressões entre parênteses. Ridículo! Eu não quero interpretar isso. Não que eu não consiga chorar, somos ótimos em chorar. Quando vemos quando vamos receber pelo nosso trabalho de decorar um texto, sempre choramos. Mas não é uma reclamação, viu? É o nosso ofício, fazemos por amor! Até por lanchinho a gente trabalha! Por que só o diretor é quem merece ganhar alguma coisa! Ter de ficar ouvindo dezenas de vezes o mesmo texto… Nossa! Que trabalho… Bem importante! Ler o texto, arrumar as bobagens do autor… Guiar-nos ao sucesso! E quando fracassamos, a culpa é nossa? Claro. Ou do escritor. Sujeito medíocre. Incompetente! Prepotente! E ainda se acha criativo, o coitado! Entrar com um telegrama e chorar. Que criativo!
Bom, desculpe ficar falando isso. Foi só pra descontrair… Mas é que depois de tanto teste, qualquer diretor deve ficar exausto de tanto ouvir o mesmo texto. Deve ter uma lagoa aqui no chão, de tantos atores entrando com um telegrama e… Chorando! Está até perigoso de um de nós escorregar e cair!
Bom, como é que eu vou fazer? Vou fazer o que está escrito. Se o diretor quer, o diretor é quem sabe. Vou fazer.
[Pára pra pensar um pouco.]
Sabe como isso ia ficar ótimo? Em câmera lenta. Já pensou? Entra segurando a droga do telegrama em câmera lenta!
[imita a ação de andar bem devagar] Isso sim ia ser original! Chorar em câmera lenta! Eu sei fazer isso em câmera lenta, se quiserem, depois eu mostro. Ia ficar “muito show”. Mas vou fazer primeiro normal. Bem como está escrito. Vou fazer, mas já digo que achei esse texto, desse jeito, uma porcaria!
[o ator dá uns passos para trás, segura um papel como se estivesse segurando um telegrama, avança alguns passos como se estivesse entrando em algum lugar e chora.]