O(a) Noivo(a) Virtual Do Dr. Viktor Frankenstein
Faz uns 12/13 anos que prometi uma comédia, mas estava difícil. É preciso muita desgraça para me fazer ter vontade de escrever algo engraçado. Partes deste texto foram escritas inicialmente em 21 de janeiro de 1993.
Os personagens de Mary Shelley, conhecidos meus (através das diversas versões cinematográficas de sua obra), sempre foram os meus preferidos da infância e adolescência. A primeira vez que pensei em escrever uma peça “não muito séria”, “Ígor” e “Dr. Frank” surgiram da memória. Eles foram minha primeira opção.
O nome que imaginei durante este longo período foi algo como: “O médico, o monstro, Ígor e o Dr. Frankenstein”. Como qualquer título serve, deixei mais próximo do que é agora. Passou a ser: “Ígor e o Monstro do Dr. Frank”, cujos nomes foram alterados para Vígor e Franco (tenho um amigo, engenheiro químico, de sobrenome Franco). Um dos últimos nomes que adotei foi “O Monstro do Dr. Franco”. Não era nada definitivo e, como perdeu um pouco da força, voltei aos nomes anteriores, na tentativa de preservar algo.
Pelo menos o título, da forma como se encontra no momento, está menos pretensioso do que uma das sugestões que cheguei a pensar (seriamente): “Frankstein de Victor Sant’Anna”. Atualmente, ainda em caráter temporário, penso que “A Noiva Virtual do Dr. Viktor Frankenstein” é bem melhor do que “O Monstro do Dr. Frank”.
Em relação à rubrica que está infestando as falas, elas são apenas indicadores. Na falta de contexto, achei prudente manter a ideia original em algumas das situações, já que as ocasiões cômicas surgiram de traços experimentares de interpretação. Cabe ressaltar que este texto é uma colcha de retalhos, quase como o monstro da obra que inspirou esta comédia.
No mínimo três personalidades distintas para Ígor, o meu “alter-ego”, poderão ser identificadas, dependendo da época em que cada trecho foi escrito. Todos os personagens aqui, de certa forma, são eu mesmo.
Os personagens
- Ígor: é o tradicional assistente de pesquisa dos filmes de terror. É uma mistura de lacaio e mordomo. Ele veste uma túnica do tipo “monge”, caminha como se tivesse uma corcunda e arrasta uma das pernas de vez em quando. Às vezes, Ígor usa uma bengala, outras um cajado, algumas uma muleta, de vez em quando contracena usando uma cadeira de rodas e ocasionalmente anda normalmente, como se este fato não fosse anormal. As mesmas mudanças acontecem na voz e na atitude. Às vezes, é mais esperto que o Dr. Frank e às vezes, comporta-se de maneira estúpida.
- Dr. Frank: é o cientista criador do monstro. Mostra alguns traços de auto-suficiência exagerados, é impaciente com Ígor, é um tanto esnobe, já que costuma a agir como se pertencesse a uma classe superior. Normalmente, veste um avental branco (um “guarda-pó”) ou algo que remete às suas tarefas de cientista.
- O monstro: o terceiro personagem, que foi idealizado para ser o personagem surpresa, terá parte somente no final da peç. Durante a apresentação, ficará coberto por panos, sendo descoberto durante a aproximação do final. O monstro pode ser alguém conhecido pelo público, como um ator do elenco, ou até mesmo algum espectador voluntário escolhido antes do início da exibição da peça. Este personagem não tem falas, portanto, é um papel para qualquer convidado, que não seja necessariamente um ator.
O cenário
Pode ser despojado, mas, na minha imaginação, é um laboratório sofisticado, altamente equipado… impossível de existir no interior e uma casa (como se espera de um laboratório “alternativo”, já que castelos são raros hoje em dia). Todos os elementos (mesas de experiências, cadeiras com rodas, frascos e equipamentos eletrônicos) podem ser substituídos ou retirados totalmente, pois são apenas itens para compor a atmosfera típica dos filmes do gênero, usuais da década de 30, tornando possível o acréscimo de algumas “modernidades” (computador e telefone).
Parte I – Ígor e o Dr. Frank
Ígor está sentado diante do computador, escrevendo.
A porta range e se abre rapidamente. Ígor percebe e fica assustado.
Ígor: (pego de surpresa, ele se levanta) Mestre, é o senhor?
Dr. Frank entra.
Dr. Frank: Quem mais seria, Ígor? Vamos, saia de perto do computador!
Ígor: (obedece carrancudo, mas obediente) Sim, mestre.
Dr. Frank: Ígor, vê aquela pedra? (aponta para uma pedra enorme no canto do palco)
Ígor: Sim, mestre!
Dr. Frank: Vá até a pedra, Ígor!
Ígor: Sim, mestre! (Ígor anda encurvado, como se tivesse um desvio na coluna, arrastando uma perna ao se deslocar)
Dr. Frank: Ígor, levante esta pedra!
Ígor: Sim, mestre! (levanta a pedra)
Dr. Frank: Ígor, abaixe esta pedra!
Ígor: Sim, mestre! (abaixa a pedra)
Dr. Frank: Ígor, levante esta pedra!
Ígor: Sim, mestre! (levanta a pedra outra vez)
Dr. Frank: Ígor, traga esta pedra até aqui! Traga a pedra!
Ígor: Sim, mestre! (traz a pedra)
Ígor fica com a pedra erguida sobre a cabeça por um tempo, esperando uma ordem.
Dr. Frank: Ígor, abaixe esta pedra!
Ígor: Sim, mestre! (abaixa a pedra)
Dr. Frank: Quem manda aqui, Ígor?
Ígor: É o senhor, Doutor Frank!
Dr. Frank: Quando eu disser para não tocar no computador, lembre-se da pedra!
Ígor: Quer que eu levante o computador, mestre?
Dr. Frank: Não, Ígor… não toque no computador, entendeu?
Ígor: Mestre… estou confuso. Ígor não entende!
Dr. Frank pega um guarda-chuva e com ele, bate em Ígor algumas vezes.
Dr. Frank: Está entendendo agora, criatura infeliz?
Ígor: Sim, mestre! Sim, mestre!
Ambos param o que estão fazendo. Ruído de mosca voando. Ígor acompanha com os olhos o voo da mosca.
Ígor: Mestre!
Dr. Frank: Sim, Ígor?
Ígor: Mestre, Ígor pode atacar a mosca?
Dr. Frank: Faça isso, Ígor.
Ígor, que ainda acompanha a mosca com os olhos, começa a pular e fazer gestos obscenos para a mosca. Dr. Frank revela um olhar reprovador.
Dr. Frank: (fala enquanto faz ajustes em alguns aparelhos e troca de frascos algumas substâncias químicas) Diante dos olhos desta criatura imbecil, a maior experiência médica de todos os tempos será realizada… em breve! Finalmente o homem poderá se libertar para sempre da sombra da morte!
Ígor: (pára o que está fazendo) Morte?
Dr. Frank: Finalmente, a partir de tecidos mortos, chegaremos à vida!
Ígor: (passa a mão em suas partes íntimas e concorda com a cabeça) Vida…
Dr. Frank: Não haverá mais mortes… a morte será apenas uma lembrança depois que eu introduzir um corpo morto à vida!
Ígor: (repete o gesto obsceno novamente) Vida…
Dr. Frank: Ainda hoje, daremos vida aos mortos!
Ígor: (repete o gesto mais uma vez) Vida…
Ígor vê a mosca e novamente vai atrás dela. Ruído de mosca voando.
Ígor: Mestre!
Dr. Frank: Sim, Ígor?
Ígor: Mestre! Posso esmagar uma mosca?
Dr. Frank: Sim, Ígor. (sem se desconcentrar da experiência que observa) Mas não me atrapalhe. Este experimento é importante.
Ígor: Obrigado, mestre! (vira-se para a platéia e fala sobre o Dr. Frank) Ele é tão bom para mim!
Ígor tenta alcançar a mosca e não consegue. Depois de um momento, dá um tapa certeiro que derruba o inseto ao chão.
Ígor aproxima-se e engole a mosca.
Ruído de mosca voando. Ígor vê uma outra mosca e vai atrás dela.
Ígor: Mestre!
Dr. Frank: O que foi, desnaturado? Não vê que estou concentrado?
Ígor: (olha Dr. Frank de um modo estranho e espera um tempo antes de falar) Posso esmagar outra mosca?
Dr. Frank: Pode esmagar o que quiser contanto que não me atrapalhe!
Ígor: (pára alguns segundos, perplexo) Ígor pode esmagar qualquer coisa?
Dr. Frank: Esmague o que quiser, mas deixe-me em paz!
Ígor: (tem um brilho maldoso no olhar. Vai até uma jaula e pega um pequeno animal que está lá – um cachorro, gato, macaco ou outro qualquer. Sai pé ante pé) Obrigado, mestre!
Enquanto está fora de cena, ruídos de luta são ouvidos, mas Dr. Frank continua suas experiências. Ás vezes pára, como se o ruído atrapalhasse sua concentração. Ígor volta ajeitando as roupas, que podem estar sujas de sangue, por exemplo.
Dr. Frank: Ígor, onde está o animal que estava na jaula?
Ígor: Que animal, mestre?
Dr. Frank: Ah, esqueça. O jantar já está pronto?
Ígor: (tem um olhar maldoso e um sorriso sarcástico) Estou preparando, Mestre!
Dr. Frank: Vou sair e volto logo. Não toque em nada enquanto eu estiver fora!
Ígor: Sim, mestre!
Dr. Frank dirige-se até a porta par sair.
Ígor: Mestre!
Dr. Frank: Sim, Ígor? O que foi, desta vez?
Ígor: Sabe aquele armário cheio de vidros, que tenho de limpar com todo cuidado?
Dr. Frank: Sim?
Ígor: Hoje, pela manhã, eu estava o limpando com todo cuidado, como o senhor ordenou…
Dr. Frank: (apreensivo) Sim… continue!
Ígor: Tomei o maior cuidado para não chegar perto dos frascos com experiências, pois sabia que qualquer descuido poderia destruir anos de trabalho!
Dr. Frank: Muito bem, Ígor.
Dr. Frank aproxima-se da porta para partir.
Ígor: Tomei muito, muito, muito cuidado!
Dr. Frank: (volta e segura Ígor violentamente) Aconteceu alguma coisa?
Ígor: Não, mestre!
Dr. Frank: Está bem Ígor. Deixe-me ir.
Dr. Frank aproxima-se outra vez da porta, para partir.
Ígor: Sabe aquela cuba delicadíssima de cristal, na qual o senhor trabalha sempre?
Dr. Frank: (volta e segura Ígor pela garganta) Fale logo, anormal!
Ígor: Não quebrou, mestre!
Dr. Frank larga Ígor e sai. Assim que Dr. Frank sai, Ígor fala de maneira mais… “normal”.
Ígor: (endireitando as costas) O que a gente não faz por um emprego?! Tenho de aguentar cada coisa… trabalho 24 horas por dia e não me pagam nem hora extra… espere o sindicato dos corcundas saber disso!
Dr. Frank volta.
Dr. Frank: Esqueci meu guarda-chuva. Está chovendo lá fora.
Ígor: O site do tempo disse que haveria tempestades à noite, mas me parece que eles sempre erram, mestre.
Dr. Frank: (pega o guarda-chuva, vai em direção à porta e pára) O que aconteceu com sua voz?
Ígor: Voz?
Dr. Frank: Você parece mais alto, Ígor!
Ígor: (pensando em alguma desculpa) É que eu bebi isso! (pega um frasco e bebe, ficando mais encurvado e falando de um jeito arrastado) Ígor bebeu! (pega outro frasco e bebe, ficando menos encurvado e falando de um modo menos arrastado) Ou isso! (bebe do primeiro frasco e repete a cena) Ígor bebeu! (bebe o segundo frasco) Ou isso!
Dr. Frank: Ah, esqueça!
Ígor: Ígor… esqueceu!
Dr. Frank vai até a porta por um instante e volta com passos firmes.
Dr. Frank: Ígor, onde está o material que eu deixei sobre a mesa?
Ígor: Qual mesa, mestre?
Dr. Frank: A minha mesa! E não me chame de mestre. Estamos no século XXI!
Ígor: Não existem mestres no século XXI, mestre?
Dr. Frank: Não me chame de mestre, Ígor.
Ígor: Então não me chame de Ígor, mestre.
Dr. Frank: Comporte-se como um empregado útil, Ígor!
Ígor: Sim, mas… o discípulo segue o mestre!
Dr. Frank: Ígor!
Ígor: Sim, Dr. Frank?
Dr. Frank: Faça-me um favor… beba alguma dessas substâncias e volte a ser como era, certo?
Ígor: (bebe algo de um frasco e volta a fazer a voz arrastada outra vez, “encurvando-se”) Sim, mestre!
Dr. Frank: Agora me diga… Onde está o material?
Ígor: Que material, mestre… Doutor?
Dr. Frank: O que estava em cima de minha mesa… você pegou?
Ígor: Um envelope? Cheio de dinheiro?
Dr. Frank: Você olhou dentro?
Ígor: Não, mestre… digo… Dr. Frank!
Dr. Frank: Então me explique.. como você sabia o que tinha dentro?!
Ígor: Mestre… acredita em sexto sentido?
Dr. Frank: Não! Sou um homem da ciência!
Ígor: (fala baixinho) Ah… droga!
Dr. Frank: Ígor, você não tem medo que eu contrate outro ajudante?
Ígor: Não, mestre! Se tivesse outro ajudante eu não precisaria trabalhar tanto!
Dr. Frank: Outro ajudante para substituir você, pequeno animal!
Ígor: Mestre… por que fala por parábolas?
Dr. Frank: Aqui, um empregado tem a vida dos sonhos de qualquer auxiliar: casa, comida, um salário digno…
Ígor: (começa a rir – mas tenta esconder o riso) Sim, doutor!
Dr. Frank: …e a honra de trabalhar perto de um grande homem!
Ígor: Sim, doutor! (não consegue segurar por muito tempo a risada e começa a rir cada vez mais alto) Deus! Como sou feliz! (ri até rolar pelo chão)
Dr. Frank: Idiota!
Um barulho de explosão e um pouco de fumaça entrando por uma fresta fazem Ígor se levantar rápido.
Dr. Frank: O gerador!
Ambos saem. Começam as vozes fora de cena.
Dr. Frank: O que você fez dessa vez, idiota?
Ígor: Nada, mestre!
Dr. Frank: O que você usou na refrigeração do gerador?
Ígor: refrigerador?
Dr. Frank: Colocou água, como ordenei?
Ígor: Melhor do que isso mestre! Usei os conhecimentos de química que eu aprendi com o senhor: para criar água, coloquei uma mistura de 2 partes de hidrogênio e uma parte de oxigênio… estavam em estado líquido, para ficar bem geladinho!
Ruídos de luta. Dr. Frank volta à cena.
Dr. Frank: (balançando a cabeça) Ele explodiu meu gerador! Preciso encontrar um meio de consertar o gerador para a experiência de hoje à noite! (pega um guia telefônico e procura por um nome. Pega o telefone) Alô? É da assistência técnica Volts-Watts? Sim… Alô… vocês consertam geradores? Sim… o tipo? Bom… modelo “Volts-Watts 7P”, bobina queimada. Três dias? É muito! Quanto? (desliga)
Ígor volta andando com o auxílio de duas muletas.
Ígor: (desafiador, porém fala baixo) Nem doeu!
Dr. Frank: Sabe quanto vai custar o conserto, Ígor?
Ígor: Não, mestre… Mas se eu recebesse um aumento, poderia pagar em menos tempo!
Dr. Frank: (pega um guia telefônico e procura por um nome. Pega o telefone) Alô? É do necrotério? A Sra. Walker está? Alô… É o Dr. Frank… conseguiu um corpo como combinamos? Ainda não? Droga, para que eu estou te pagando afinal? Não tem nenhum corpo à disposição? Eu sei que não é “tele-entrega”! Na “tele-entrega” eu telefono e eles aparecem com o pedido… não ficam enrolando. Lembre-se, Walker, basta um telefonema meu e seu emprego deixará de existir! (desliga)
Ígor: Os empregados são todos incompetentes hoje em dia, não é, doutor?
Dr. Frank: (olha firme para Ígor) Por causa de certas pessoas, a ciência está regredindo ao invés de avançar.
Ígor: Não se culpe pelos fracassos, mestre! Eu também tenho meus dias ruins uma vez ou outra!
Dr. Frank: Você não vale o sal que come, Ígor.
Ígor: Obrigado mestre! (tentando ser simpático) Mas se eu recebesse um aumento, mestre, poderia trabalhar ainda melhor!
Dr. Frank: Não se engane, Ígor. Não se pode tirar leite de uma pedra!
Ígor: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”!
Dr. Frank: Do que você está falando?
Ígor: Não sei, foi o senhor quem começou!
Dr. Frank: Minha próxima experiência será consertar cérebros danificados!
Ígor: (parece olhar de longe a cabeça do Dr. Frank) Mas o senhor não tem nada de errado! (pensa um segundo) Apesar da sua idade!
Dr. Frank: (resmungando) Quieto, estúpido, deixe-me pensar.
Ígor: (falando sozinho) Ótimo, faça isso enquanto eu arrumo tudo por aqui… alguém aqui precisa trabalhar um pouco! Sempre eu que faço tudo mesmo!
Dr. Frank: (resmungando, aperta alguns botões e faz experiências) Eletricidade…
Ígor caminha pelo palco com suas muletas, procurando algo. Depois pára, como se tivesse surgido uma ideia.
Ígor: Mestre! Eu posso solucionar o problema do gerador!
Dr. Frank: Você entende de motores?
Ígor: Que pergunta!
Dr. Frank: (irritado, fala sozinho) Não é possível! No momento em que quase tudo deveria estar pronto para a maior experiência médica de todos os tempos, tudo parece ruir! O que mais o universo vai colocar no meu caminho? Por que os deuses conspiram contra mim? Por acaso sentem-se ameaçados diante da grandeza deste momento para a humanidade?
Dr. Frank sai.
Ígor vê que está sozinho e joga longe as muletas, dando alguns passos e cambaleando um pouco.
Ígor: (olhando para cima e erguendo os braços) Milagre! Milagre!
Um relâmpago, seguido por um trovão, terminam a cena. Tudo fica às escuras.
Parte II – A Noiva do Dr. Frank
Está relampejando esporadicamente. Ígor acende várias velas em castiçais. A iluminação é mínima. Ígor senta diante do computador e tecla, enquanto fala em voz alta o que está escrevendo.
Ígor: Ele me obriga a fazer as piores coisas… Ontem, eu disse que havia bebido ácido e ele nem ligou! Acho que ele não me ama mais! Eu disse para ele que estava com uma dor-de-cabeça tão grande, que tive de tomar ácido, e ele me interrompeu e perguntou: (imita Dr. Frank) “Ácido? Que ácido!?” Respondi: “ácido acetilsalicílico, mestre!” E ele virou as costas para mim… e me desprezou… Ah, o que eu tenho de suportar! Ele não passa de um insensível incompetente, um reles…
A porta range e se abre. Ígor percebe e fica assustado.
Ígor: …e maravilhoso e um bondoso ser humano, capaz de grandes proezas científicas… (a porta fecha e Ígor continua as frases anteriores) …capaz de envergonhar até a minha mãe. E olha que para envergonhar a minha mãe, tem que ser bem pior do que… (pensa um pouco) o meu pai!
Ígor pára de usar o computador e vai até à porta, para ver se o Dr. Frank não está o espiando. Desta vez, Ígor está usando um cajado como apoio. De súbito, abre a porta, imaginando surpreender Dr. Frank.
Ígor: Ahá! (vê que não tem ninguém. Espera um tempo e grita para dentro da porta, desdenhando) Eu sabia que não tinha ninguém aí!
Ígor fecha a porta e, novamente, tenta surpreender Dr. Frank.
Ígor: (abre a porta) Ahá! (vê que não tem ninguém e fecha a porta)
O gesto se repete algumas vezes.
Dr. Frank entra pelo outro lado do palco e surpreende Ígor.
Dr. Frank: Você está bem, Ígor?
Ígor: (meio desconcertado, sem saber como Dr. Frank apareceu atrás dele, Ígor olha para o Dr. Frank, olha para a porta e volta a olhar para o Dr. Frank) Esta porta está com problemas, mestre!
Dr. Frank: (olhando as velas) Faltou luz?
Ígor: (examinando o Dr. Frank com cuidado) O senhor é tão inteligente, mestre!
Dr. Frank: Se faltou luz, como é que o computador está ligado?
Ígor: (fazendo força para pensar) Bom… talvez… Internet?
Dr. Frank: Não diga asneiras.
Ígor: Espere, mestre!
Dr. Frank: Sim?
Ígor: (se concentra, ergue o braço com o cajado e diz solenemente) Fiat Lux!
Algumas luzes se acendem.
Dr. Frank: Mas… como?
Ígor: (se concentra novamente e ergue outro braço) Mehr licht!
Outras luzes se acendem.
Ígor: (misterioso) Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia!
Dr. Frank: Shakespeare?
Ígor: Não, obrigado.
Dr. Frank: Como você é capaz de trazer a luz e não consegue fazer o trabalho de assistente?
Ígor: (mostra algo que tinha no bolso) Controle remoto!
Dr. Frank: Nossas experiências podem prosseguir? Teremos o gerador funcionando para hoje?
Ígor: (cantando e dançando) Energia! Energia! Energia!
Dr. Frank: Estaremos prontos hoje à noite?
Ígor: Mestre! Pode deixar tudo sob meus cuidados!
Dr. Frank: (sem prestar muita atenção no que Ígor faz) Ígor, preparou minhas fórmulas para hoje?
Ígor: (pára, assustado) Fórmulas? Quais fórmulas, mestre?
Dr. Frank: Não me chame de mestre, Ígor.
Ígor: Sim, “doutorzinho”…
Dr. Frank: O quê!?
Ígor: Sim, Dr. Frank.
Dr. Frank: Preparou minhas fórmulas?
Ígor: Quais fórmulas, doutor?
Dr. Frank: Você deve saber: as fórmulas que eu venho pedindo há várias semanas, todos os dias, a cada 20 minutos!
Ígor: (tentando lembrar) Ah, essas fórmulas…
Dr. Frank: Preparou?
Ígor: A vermelha ou a azul?
Dr. Frank: Qualquer uma! Preparou… a azul?
Ígor: A azul? Não! A azul não preparei, mestre!
Dr. Frank: (irritado) Preparou a outra fórmula?
Ígor: A vermelha ou a azul, doutor?
Dr. Frank: (perdendo a paciência) A vermelha, claro! Preparou ou não preparou?
Ígor: A vermelha, claro (frisa a palavra claro)… não preparei… ainda, doutor! Mas falta pouco.
Dr. Frank: Falta pouco? Como falta pouco? Ontem você me disse que faltava pouco!
Ígor: Ontem faltava pouco, doutor.
Dr. Frank: E agora, o que falta?
Ígor: Falta pouco… mas menos pouco do que o pouco de ontem!
Dr. Frank: Quando estará pronta?
Ígor: Em breve! Seja paciente! Tenha fé!
Dr. Frank: O quê?!
Ígor: (fazendo-se de inocente) Desculpe, mestre… me empolguei!
Dr. Frank: Não me interessa, insolente! Quero as fórmulas prontas imediatamente!
Ígor: Imediatamente quando?
Dr. Frank: Imediatamente agora!
Ígor: Ah! Foi o que imaginei!
Dr. Frank: O que está esperando?
Ígor: (gesticula) Abracadabra!
Ígor retira um pano que cobria vários frascos, cheio de líquidos coloridos.
Dr. Frank: Ígor! Há quanto tempo as fórmulas estão prontas?
Ígor: Há muito tempo, mestre!
Dr. Frank: Já estavam prontas ontem?
Ígor: Não, mestre! Há mais tempo!
Dr. Frank: 2 dias?
Ígor: Mais tempo!
Dr. Frank: 3 dias?
Ígor: Mais tempo!
Dr. Frank: uma semana?
Ígor (fazendo voz de programa): Muito bem… absolutamente certo!
Dr. Frank: (fazendo de conta que não ouviu a provocação) Por que não me disse, para que eu pudesse começar minha nova experiência?
Ígor: A nova experiência?
A campainha toca.
Dr. Frank: Depressa! Vá lá em cima e atenda a porta!
Ígor: Preciso me vestir. Não posso atender a porta vestido desse jeito!
Dr. Frank: Então vá, rápido!
Ígor anda um passo e pára. Anda mais um passo e olha para o Dr. Frank.
Ígor: Mestre!
Dr. Frank: (impaciente) Sim, Ígor?!
Ígor: Devo dizer que não estamos?
Dr. Frank: Sim, Ígor.
Ígor: Nós dois?
Dr. Frank: (irônico) Não, idiota, diga que só você não está!
Ígor: Mestre… (fica pensativo) Acha que se eu disser que eu não estou, eles vão acreditar?
Dr. Frank: (nervoso) Idiota! Vá logo!
Ígor anda um passo e pára. Anda mais um passo e olha para o Dr. Frank.
Dr. Frank: Ande!
Ígor: (demonstra estar tentando ouvir) A campainha parou de tocar!
Dr. Frank: Ótimo, vamos voltar às experiências.
A campainha toca outra vez, dessa vez com insistência. Ígor fica parado, esperando a ordem do Dr. Frank.
Dr. Frank: Rápido, o que está esperando?! Vá lá em cima e atenda a porta!
Ígor: Preciso me vestir. Não posso atender a porta vestido desse jeito!
Dr. Frank: (olha para a platéia) Acho que já vi isso antes (volta o olhar para Ígor). Não pode ir mais rápido?
Ígor: Posso, claro!
A campainha toca e Ígor cai no chão.
Ígor: Ai! (fala como se estivesse com dores) Meu braço!
Dr. Frank: (corre para ajudar) Machucou o braço?
Ígor: (falando normalmente) Não. Por quê?
Dr. Frank: (ergue Ígor) Imbecil! Vá logo, o que está esperando?!
Ígor: Meu cajado, onde… onde está meu cajado?
Dr. Frank: No meio de suas pernas!
Ígor lança um olhar malicioso para o doutor Frank.
Ígor: (olha o cajado e examina-o) É mesmo…
A campainha toca várias vezes.
Dr. Frank: Ígor…
Ígor: Sim?
Dr. Frank: Acho que você não vai atender a porta, vai?
Ígor: Acho que não… Mas você pode ir, se quiser.
O Dr. Frank sai irritado.
Ígor: Puxa, que sujeito mais impaciente!
Ígor prepara o laboratório. Ele pega o cajado e enrosca em sua ponta um pedaço de vassoura. Começa a varrer.
Dr. Frank volta.
Dr. Frank: Havia me esquecido da encomenda! Finalmente! Agora minhas experiências terão êxito! A substância que faltava! Vieram me entregar a encomenda que comprei pela Internet… finalmente, aqui, nas minhas mãos! Isso merece uma comemoração! Ígor, champanhe!
Ígor: Champanhe, mestre? Não posso ir buscar. Não estou vestido apropriadamente!
Dr. Frank: Ígor, não quer beber champanhe comigo?
Ígor: Ah, é para nós dois? (vira-se e retira a túnica. Ígor está vestido com terno e gravata por baixo. A seguir, retira o pano que cobre um balde de gelo com uma champanhe e duas taças, pegando uma para si e outra para o Dr. Frank) Pronto, Dr. Frank!
Dr. Frank: Ígor, você estava vestido o tempo todo?
Ígor: Saúde!
Dr. Frank: Agora eu só preciso de mais uma coisa para finalizar a experiência que mudará o rumo da história! Hoje será o dia em que a morte deixará de ser a barreira que separa as pessoas que se amam!
Ígor: Saúde!
Dr. Frank: Depois dessa experiência, Ígor, seremos as pessoas mais importantes do mundo!
Ígor: Saúde!
Dr. Frank: Saúde, Ígor!
Ígor: Saúde!
Dr. Frank: Só preciso de um corpo para provar que a morte não precisa existir!
Ígor: (olha para si mesmo e rebola um pouco) Um corpo como o meu, mestre?
Dr. Frank: Não, Ígor… preciso de um morto fresco!
Ígor: Ah, eu ainda estou vivo. Então não sirvo!
Dr. Frank: Lógico que não, idiota! Mas esta noite iremos ao cemitério!
Ígor: Mestre… digo… Dr. Frank…
Dr. Frank: Sim, Ígor?
Ígor: O senhor estudou tanto…
Dr. Frank: Sim, verdade… foram mais de 20 anos!
Ígor: (como se estivesse fazendo uma pergunta muito esperta) Como é possível saber se um defunto é um morto fresco?
Dr. Frank: (pensa um pouco) Hmmm… pela data no túmulo, claro.
Ígor: Oh, puxa… e precisou estudar 20 anos para saber isso?
Dr. Frank finge que não ouviu e se afasta um pouco.
Dr. Frank: Ígor, apesar de achar que, contando apenas com sua ajuda, eu jamais conseguiria terminar meus experimentos, estamos muito próximos! E nada, nada vai me impedir de obter sucesso a partir de agora, entendeu? (olha de um jeito ameaçador) Nem que eu mesmo tenha de arranjar um morto fresco!
Ígor: Sim, meu senhor…
Dr. Frank: (com orgulho) Nada mais irá me atrapalhar agora…
A campainha toca.
Dr. Frank: Oh, o que mais pode acontecer? Ígor, você está vestido?
Ígor: (olha Dr. Frank de um jeito esquisito) Sim, meu mestre…
Dr. Frank: Vá ver quem está à porta! Quem poderá ser, numa noite tenebrosa como essa?
Ígor: Sim, mestre…
Ígor sai. Momentos de expectativa.
Dr. Frank: (repetindo algo que já disse antes) Não é possível! No momento em que quase tudo deveria estar pronto para a maior experiência médica de todos os tempos, tudo parece ruir! O que mais o universo vai colocar no meu caminho? Por que os deuses conspiram contra mim? Por acaso sentem-se ameaçados diante da grandeza deste momento para a humanidade?
Ígor demora algum tempo antes de voltar.
Ígor: Sua noiva chegou, mestre! (abraça Dr. Frank, como se estivesse cumprimentando um noivo)
Dr. Frank: (afastando Ígor) Minha noiva? Que noiva?
Ígor: Sua noiva… Marcelina Tereza! Ela disse que veio lhe fazer uma surpresa!
Dr. Frank: (desesperado) Marcelina? Aqui?! E agora? O que eu faço?!
Ígor: É a sua noiva… convide-a para entrar!
Dr. Frank: (curioso) E como ela é?
Ígor: Como ela é?
Dr. Frank: Sim… é bonita?
Ígor: Bonita?
Dr. Frank: Ela parece com quem?
Ígor: Não conhece a própria noiva?
Dr. Frank: Bom… eu a conheci pela Internet, mas nunca a vi!
Ígor: Oh! Puxa!
Dr. Frank: Namoramos, noivamos e… nunca pensei… Mas como ela é?
Ígor: Bom… Deveria ter pedido a foto antes!
Dr. Frank: Ai…
Ígor: Não vai conhecê-la?
Dr. Frank: Não posso me preocupar com ela. Temos coisas mais importantes a fazer esta noite! Diga que estou doente! Melhor: diga que fui a uma cigana, que me disse coisas que fizeram-me mudar de ideia!
Ígor: Mas, mestre… (passa o braço ao redor da cintura do Dr. Frank, tentando exibir intimidade) Acha que ela vai acreditar numa asneira dessas?
Dr. Frank: Não me interessa. Vá lá e diga qualquer coisa… livre-se dela!
Ígor: Livrar-se dela? (sorriso malicioso) Sim, mestre!
Ígor sai. Os relâmpagos aumentam. Dr. Frank está impaciente. Ígor demora bastante tempo antes de voltar.
Dr. Frank: (mais uma vez, repete uma mesma frase) Não é possível! No momento em que quase tudo deveria estar pronto para a maior experiência médica de todos os tempos, tudo parece ruir! O que mais o universo vai colocar no meu caminho? Por que os deuses conspiram contra mim? Por acaso sentem-se ameaçados diante da grandeza deste momento para a humanidade?
Ígor: (entrando no final da frase) Mestre… O senhor já não disse isso hoje?
Dr. Frank: Conseguiu se livrar dela?
Ígor: Mestre, estou muito confuso… Mostrar o meu “Frankenstein” surgindo dos mortos, para a noiva do meu patrão, não deveria ser algo assustador?
Dr. Frank: Não seja insolente! Nem você teria coragem de fazer isso na frente dela!
Ígor: E se eu dissesse que não foi na frente, mestre? (faz um sorriso malicioso)
Dr. Frank: Eu disse para se livrar dela e não para aterrorizar a pobre coitada! Ela deve ter fugido para chamar a polícia… ela era uma moça inocente!
Ígor: Mestre… Posso fazer uma pergunta íntima?
Dr. Frank: Pergunta íntima? Qual pergunta íntima?
Ígor: Mestre… O que o senhor acha de sexo no primeiro encontro?
Dr. Frank: Não fale nada sobre bestialidade ou sobre seu comportamento anormal para mim. Há coisas tão medonhas que não temos nem o direito de falar!
Ígor: E fazer, mestre? Eu nunca tinha feito amor com uma mulher.
Dr. Frank: não quero ouvir isso!
Ígor: Não vai ouvir nada! Já faz algum tempo que paramos!
Dr. Frank: Não quero ouvir isso! Não fale mais nada!
Ígor: (falando para a platéia de maneira romântica) Tive de me passar pelo Dr. Frank. Ela também não tinha a foto dele… foi ótimo! Nunca pensei que o amor fosse tão lindo! Foi a primeira vez que fiz amor com alguém que não latia, nem cacarejava! (falando para o Dr. Frank) Mestre, é normal sexo anal no primeiro encontro depois da Internet?
Dr. Frank: (sentindo nojo) O que você fez com a moça, seu animal nojento?
Ígor: O que eu fiz com a moça?! Precisa ver o que a moça fez comigo!
Dr. Frank: Ah! Cale a boca! Não quero mais ouvir! Não me diga o que fez com ela!
Ígor: Ela? Não sei se podemos chamar ela de… “ela”.
Dr. Frank: Por quê? Não me diga que… ela… Ela não era uma mulher?
Ígor: (de modo solene) O que eu fiz com ela, e ela fez comigo, não dá para dizer que seja o que um homem e uma mulher costumam fazer!
Dr. Frank: (furioso) Como ousou fazer todas essas anormalidades com ela? Não se preocupou no que ela iria pensar?
Ígor: (tentando acalmar o Dr. Frank) Ah, não se preocupe, mestre… quando eu fiz isso com ela, a moça já estava morta!
Dr. Frank: (desesperado) Morta? Você a matou?
Ígor: Mas… o senhor mesmo me mandou se livrar dela!
Dr. Frank: (muito desesperado) Você a matou! E agora?
Ígor: Ora, mestre! Quem vai a um encontro marcado pela Internet já espera que coisas assim aconteçam! Noivar com um desconhecido, procurar ele num lugar distante… Ela já devia estar esperando por isso!
Dr. Frank: Silêncio! O que faremos agora?! Tudo está perdido, seu monstro!
Ígor: Mas, afinal, qual é o problema, mestre? O senhor tem a capacidade de trazê-la de volta à vida!
Dr. Frank: Silêncio! Preciso pensar em como sair desse pesadelo!
Ígor: Eu já preparei tudo, mestre! Não se preocupe! Poderá ressuscitá-la. Assim não precisaremos ir ao cemitério atrás de um corpo fresco! Já temos um corpo bem fresco, aqui mesmo! Está tudo pronto, veja!
Ígor corre até uma das entradas e traz para o centro do palco uma cadeira com o monstro, coberto por um lençol. Liga diversos fios à cadeira.
Dr. Frank: Mas como poderemos trazê-la de volta à vida, se o gerador de mega voltagens foi destruído?
Ígor: Eu disse que daria um jeito, mestre!
Dr. Frank: E o que você poderia fazer, além de me atrapalhar ainda mais, monstro nojento?
Ígor: Simples, mestre… A meteorologia previu tempestades elétricas para esta noite. Dentro de algumas horas teremos muita eletricidade! Então, liguei a saída do mega-gerador no pára-raios!
Dr. Frank: Sim! É uma boa ideia! Poderá funcionar! Será nossa única chance! Se funcionar, o mundo conhecerá hoje uma nova era! A criação da vida a partir de restos mortais!
Ígor: A noiva do Dr. Frank!
Vários relâmpagos, seguidos de trovões, interrompem a cena, com Ígor e Dr. Frank olhando para eles. Outros relâmpagos e trovões terminam a cena. Tudo fica às escuras novamente.
Parte III – O Monstro do Dr. Frank
Relâmpagos e trovões fazem parte da cena por todo o tempo, desta vez. Dr. Frank levanta o lençol, sem descobrir totalmente o cadáver. Ele analisa cada pedaço. Ao examinar as partes íntimas do cadáver (o “monstro”), nota que algo está faltando.
Dr. Frank: (ríspido) Ígor! Venha cá!
Ígor entra cabisbaixo e devagar.
Dr. Frank: Ígor! Você violou o meu corpo!
Ígor: Quem me dera, mestre!
Dr. Frank: Ígor! Você mexeu no meu monstro!
Ígor: Não, mestre! Não mexi no seu “Frankenstein”!
Dr. Frank: Idiota depravado! Onde é que está? (levanta o lençol e aponta para a parte que está faltando no corpo do monstro)
Ígor: Não peguei! (espera um segundo) Apesar da minha cara!
Dr. Frank: Pegou sim! Devolva já, seu depravado! Eu já falei mil vezes, desde que você arranjou o corpo, que não deve pegar a vara do monstro!
Ígor: Não fui eu, mestre! Eu juro! (pensa um momento) Deve ter sido o gato!
Dr. Frank: Nunca tivemos nenhum gato aqui!
Ígor: Puxa… (fala para si mesmo) Então o que é que nós jantamos todos esses meses?
Dr. Frank: Não minta, vamos, fale logo! Diga onde você o enfiou!
Ígor: Não enfiei, mestre! Juro que não enfiei!
Dr. Frank: Está bem… apenas devolva! (tenta pegar algo no bolso de Ígor) O que é isso no seu bolso?
Ígor: (dá um pulo, se desvencilhando do Dr. Frank. Corre para o outro lado do corpo) Não é nada! Não dou! É meu!
Dr. Frank: Dê logo, réptil imundo! (tenta correr atrás de Ígor, mas não o alcança. Acaba desistindo). Está bem! (sarcástico) Fique com ele! Os cientistas do mundo todo vão ter de se contentar com a maior descoberta de todos os tempos faltando um pedaço. Um morto vai voltar à vida e não vai ter nada para se divertir, porque você roubou o “monstrinho” dele! Vai ser culpa sua… vão rir de você!
Ígor: (sem prestar atenção nas palavras do Dr. Frank, balança a cabeça de um lado para o outro, como se ouvisse música) Ígor tem dois! Ígor tem dois! (faz gestos obscenos, como se estivesse se masturbando com as duas mãos)
Dr. Frank: Se eu soubesse que ia ser assim, teria dado um jeito de arranjar um corpo de mulher. Da próxima vez, será um corpo de uma mulher…
Ígor: (indo até o Dr. Frank, puxa a manga do avental do doutor) Duas!
Dr. Frank: Duas mulheres? Para que duas mulheres, desmiolado?
Ígor: (descansa a cabeça no ombro do Dr. Frank) Ígor tem dois…
Dr. Frank: (empurra Ígor para longe com um dos braços) Chega… Vá ver o meu banho!
Ígor: Oba! Que bom, que bom! Ígor vai ver o banho do mestre!
Dr. Frank: Silêncio, idiota! Vá preparar o meu banho! E nem pense em ficar espiando!
Ígor: (decepcionado) Ah, mestre…
Dr. Frank: (ameaça um bofetão com um braço) Vá logo!
A campainha toca. Os dois param.
Ígor: A campainha!
Dr. Frank: Ígor, tem alguém lá em cima de novo!
Ígor: Quantas noivas o senhor tem?
Dr. Frank: Não fale bobagens! Vá lá e livre-se… quero dizer… vá lá e mande a pessoa embora, seja quem for!
Ígor: Sim, mestre!
Ígor sai.
Dr. Frank: (novamente, repete a mesma frase de atos anteriores) Não é possível! No momento em que quase tudo deveria estar pronto para a maior experiência médica de todos os tempos, tudo parece ruir! O que mais o universo vai colocar no meu caminho? Por que os deuses conspiram contra mim? Por acaso sentem-se ameaçados diante da grandeza deste momento para a humanidade?
Ígor: (voltando, mostra intenção de dizer algo) Isso já não…
Dr. Frank: (interrompe Ígor) Não precisa dizer nada sobre a originalidade de minhas palavras. Quem era?
Ígor: Nada importante… A polícia veio ver se conhecíamos uma moça desaparecida, mas falei que o senhor não tinha nada a ver com ela… que nunca a tinha visto, apesar de ser seu noivo! Estão esperando pelo senhor, mestre!
Dr. Frank: Idiota! Como pode dizer isso? Fique aqui e não faça nada. Não toque no monstro!
Ígor: Ígor tem dois!
Dr. Frank sai.
Ígor: Ígor tem dois! Ígor tem dois!
Dr. Frank volta.
Dr. Frank: Vou ter de ir até a delegacia. Parece que nosso “monstro” avisou que vinha para cá a um amigo… talvez até me prendam. Ígor, preste atenção, pois agora dependo de você: faça a experiência dar certo. Se ela – e ele – voltarem à vida, nem eu, nem você poderemos ser presos por assassinato, está entendendo? Se eu disser que foi você quem a matou, meu laboratório poderá ser destruído. Portanto, vou aguardar um tempo antes de contar a verdade. Faça o que deve ser feito!
Ígor: Sim, mestre! Pode confiar em mim!
Dr. Frank sai.
Ígor espera um pouco e liga alguns equipamentos. Senta-se ao lado do “monstro”. Após alguns efeitos e alguma expectativa, Ígor retira o lençol que cobre o monstro, revelando sua face. O monstro volta à vida, movendo-se mecanicamente. O monstro olha para baixo e acaricia suas partes íntimas. Ele olha para Ígor sem compreender e tenta falar, mas apenas emite ruídos incompreensíveis.
Ígor: (explicando) Ígor tem dois! (alarga a cintura da calça olhando para dentro)
O monstro continua olhando para Ígor sem compreender.
Ígor: (dá de ombros e dá uns tapinhas no ombro do monstro, complacente. Depois, olha para o público e sorri) É a vida!
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