Agripina, A Menor
Oi, tudo bem? Como vão? Estão confortáveis? Estão bem acomodados? Acho que vocês sabem que eu sou a Agripina, né? O nome desse monólogo é “Agripina, A Menor”. Se é um monólogo, só tem um personagem… então é claro que eu devo ser a Agripina, certo?
Eu estou aqui só para reclamar uma coisa. Não gosto de ser chata, mas eu tenho que falar: por que é que traduziram meu nome para “Agripina, a Menor”? Tudo bem querer diferenciar, já que minha mãe se chamava Agripina também. Naquela época, quando a gente tinha um nome feio, passávamos para os filhos também, pra não sofrermos sozinhos… então, eu também sou Agripina. Mas a tradução do meu nome poderia ser “Agripina, a Jovem”, não é? Claro que, daí, iríamos ter que chamar minha mãe de “Agripina, a Velha”… e ninguém merece ser chamada de velha! Coitada da velha! Mas podia ser ainda pior pra ela! Quando um autor traduz o meu nome para “Agripina, A Menor”, o de minha mãe calha a ser “Agripina, a Maior”. Não parece que sou filha de uma baleia?! Caso resolvam me chamar de “Agripina, a Segunda”, minha importância diminui. Reclamei tanto disso que o autor estava pensando em me chamar de “Agripina, a Filha”… “da puta”.
Mas ia ser injusto com a minha mãe, coitada. Afinal de contas, ela foi uma das mulheres mais virtuosas, CDFs, comportadas e chatas de Roma. Por que chamam gente certinha de CDF? Cú-de-ferro! Se as pessoas corretas a gente chama de CDF, minha mãe era uma CDA: Cú-de-aço! Minha mãe era um modelo de virtude… eu não puxei ela. E nem queria mesmo, pois fui muito mais importante!
O autor deveria me chamar “Agripina, a Importante”. Eu não aceito que me chamem de “A Menor”! Os autores têm essa mania de inventar o que querem para os personagens. Mas eu existi! Não podem ficar escrevendo o que quiserem de mim só porque eu já morri. Os escritores são uns caras muito estranhos… ao invés de se divertirem vendo Faustão, preferem passar o domingo escrevendo. Escritor é aquele cara que se diverte inventando personagens malucos, que levam uma picada de aranha num laboratório de química e saem atirando teias por aí. Isso é ridículo… e ainda me chamam de “A Menor”. Eu fui real. Eu fui importante! Vocês pode até pensar:
– Ah, ela já morreu há 2 mil anos… eu não vou ficar escutando essa chata!
Vai escutar, sim! Dois mil anos parece muito, mas não é… são só oitenta gerações entre a época que eu vivi e a época de vocês. Uma geração dura vinte e cinco anos, mais ou menos… logo, são quatro gerações por século. Em vinte séculos, passaram-se apenas umas oitenta gerações. É só abrir o jornal e ler… vai ver que o mundo está diferente. É só abrir na página dos passatempos. Se você abrir na página policial, vai ver que hoje não é tão diferente da minha época.
Meu bisavô foi o primeiro imperador de Roma. Mas deixa eu explicar melhor… Roma era uma república fazia uns quinhentos anos, mas apareceu um tal de Julio Cesar, um general. Ele era um grande conquistador! Era tão conquistador que foi conquistar o Egito. No final das contas, ele quem foi conquistado pela Cleópatra. Grande conquistador! Mas, enfim… ele derrotou muitos inimigos. O Senado deu para ele o título “Ditador de Roma”. Está bem… “deu”. Não foi bem assim… não “deram” de verdade. Ele trouxe o exército pra Roma e o Senado ficou se cagando todo. Deixando claro: naquela época, existiam algumas regras do tipo: proibido entrar com o exército em Roma. Mas Julio Cesar não estava nem aí. Ele gritou “Alea Jacta Est”, estacionou o exército em Roma, em local proibido e na contra mão. Traduzindo “Alea Jacta Est” para o português, podemos entender mais ou menos como: “foda-se!” Mas Julio Cesar não durou muito no poder. Ao virar ditador, ele irritou um de seus melhores amigos… o Brutus. Mas, espera aí… quem é que, em sã consciência, tem um amigo chamado Brutus? Além do Popeye e da Olivia Palito, é lógico? O cara se chama Brutus! Só pode ser um… Brutus!
Brutus matou Julio Cesar… brutalmente. Vinte punhaladas. Podia ser pior, né? Já pensou se o nome dele fosse “Estuprus”? Meu bisavô, Otávio, era sobrinho do Julio Cesar e também era general. Então, ele e outro general, chamado Lépidus, fizeram uma reunião com o melhor amigo de Julio Cesar, o Marco Antônio:
– Ô, Marco Antônio, eu tô querendo você e o Lépidus pra fazer um triunvirato!
– Epa, que que é isso, Otávio? Sou romano, mas sou espada!
O Lépidos gostou! Ele ficou todo lépido e faceiro, dando gritinhos:
– Eu quero! Eu quero!
Mas meu bisavô foi logo explicando:
– Não é nada disso! Nós três somos grandes generais. Vamos fazer um triunvirato e comandar Roma!
O tal triunvirato não ia dar certo. Afinal, esse nome parecia uma coisa pornográfica mesmo. Bom… eles estavam lá, no meio do triunvirato, mas lepidamente se livraram do Lépido. Ele não tinha nome condizente pro cargo, né? Imagina se cai numa prova: “Otávius Augustus”, “Marcus Antonius” e “Lépido”… qual desses três nunca foi bosta nenhuma? Fácil, né? Pode não parecer, mas um nome é muito importante. Me diga: quem entraria numa farmácia e compraria uma camisinha com a marca “Os dois filhos do João”? Ninguém, né?
Mas se o mesmo nome estiver em inglês, aí todo mundo compra! É só chamar de “Johnson & Johnson” que vende tudo!
Bem, deixa eu continuar… sem o Lépido. O Marco Antônio, que além de ser um grande general, também era um grande conquistador. Que nem Julio Cesar, ele foi conquistar o Egito… e da mesma forma, foi conquistado pela Cleópatra. Mais outro. Grandes conquistadores eles eram. Então, sobre meu bisavô… imagine três grandes generais de Roma: “Julio Cesar”, “Otávio Augusto” e “Marco Antônio”. Adivinhe quem é o meu bisavô? É aquele do meio… o que não comeu a Cleópatra!
Meu bisavô brigou com o Marco Antônio:
– Onde já se viu? Ficou com a “ex” do melhor amigo! Pervertido!
Eles tentaram se acertar uma época. Meu bisavô ofereceu a irmã dele em casamento pro Marquinhos, mas o Marco Antônio ficou com ela por somente três anos e acabou por devolvê-la. Voltou pra Cleópatra. Como meu bisavô era todo certinho, fiel a Roma, à família e ao escambau, ele ficou muito irritado. Ele era um velho irritado! Tem certas irritações que é só botar talquinho que sara, mas a do meu bisavô… não era uma irritação qualquer, não. Só brigando mesmo. Então, ele entrou em guerra, derrotou Marco Antônio e ficou com Roma só pra ele. Foi assim que ele virou o primeiro imperador: Otávius Augustus. Foi tão bom imperador que ficou no poder por mais de 40 anos… foi tipo [escolher um nome de empresa, apresentador ou rede de TV líder de audiência há muitos anos, como por exemplo “o Sílvio Santos” ou “a Rede Globo”] daquela época.
Como imperador, ele podia escolher um sucessor. Ele resolveu escolher Tibério, filho adotivo dele. Mas como meu pai, Germanicus, era um ótimo general, meu bisavô obrigou o Tibério a adotar meu pai como sucessor, para dessa forma, ter um bom sucessor para o sucessor. Meu pai era um grande general de verdade. Só que Tibério morria de ciúmes do meu pai, porque meu pai Germânicus era um general melhor do que ele. Mas isso é lá motivo pra ter inveja?
– Ah, eu odeio ele! Os soldados dele ganham mais batalhas que os meus…
Parece coisa de criança…
– Ah, odeio ele! A espada dele é maior que a minha!
Ah, que isso? Um baita imperador agindo assim? Vê se cresce!
Mas o meu pai, Germânico, era mesmo um general de dar inveja: imponente, conquistador, líder! Praticamente uma [citar marca famosa: Brastemp, Ferrari]. Tibério também era um general, mas estava mais para uma [citar uma marca concorrente, inferior à marca famosa: Enxuta, Volkswagen]… por isso, morria de ciúmes da popularidade do meu pai. Ele sabia o risco que corria deixando meu pai vivo. Afinal, meu pai era o preferido para substituir meu bisavô, Otavius Augustus.
E minha mãe? Era toda certinha! Ao invés de ficar em casa, cozinhando, ficava nos campos de batalha acompanhando meu pai com os filhos. Imagine só… seis crianças num campo de batalha. Era igual a vida na favela, mas sem o pagode. Então, deixa eu resumir a história pra vocês não perderem o fio da meada: o imperador ainda era o Otávio Augusto, avô da minha mãe e meu bisavô, mas ele estava velho, caquético, e, ao invés de escolher logo meu pai como sucessor, que era o preferido do povo, manteve a escolha pelo Tibério, filho adotivo dele, deixando meu pai para ser o sucessor do sucessor.
Quando meu bisavô Otávio Augusto morreu, o Tibério assumiu — “assumiu” no bom sentido, tá? Nada de maliciar… enfim. Mas o Tibério assumiu e o povão não gostou. Os soldados se rebelaram e queriam meu pai como novo imperador. Mas meu pai, todo certinho, preferiu ficar nos campos de batalha, lutando por Roma. Ai, como eu detesto gente honesta! Gente honesta, ao invés de roubar, é capaz de pedir uma coisa emprestada e… devolver depois! E, se der mole, ainda devolvem consertada… não dá pra confiar em gente assim!
Pois é… mas o Tibério, novo imperador, ficou morrendo de medo do meu pai e mandou envenená-lo. Matou meu pai quando eu tinha apenas quatro anos de idade! Minha mãe foi lá reclamar, coitada… acho que ela pensava que ia conseguir justiça! Não é que nem agora, que tem o código do consumidor. Hoje, é só ir lá reclamar dos produtos com defeito. Se o tênis descola, te dão um novo; se o refrigerador estraga, te dão um novo; se o marido morre, te dão um novo. Na época, o Tibério não gostou nada da reclamação. O serviço de atendimento ao cliente ainda não tinha sido inventado.
Mas minha mãe, pateta, não percebeu que meus irmãos eram sucessores possíveis, então… Tibério matou meus irmãos mais velhos e exilou minha mãe. Minha mãe acabou morrendo de fome numa terra distante. Na verdade, ela tentou morrer de fome logo, mas não deixaram. Torturavam-na e alimentavam ela à força, para que ela durasse mais tempo e… quase morreu gorda. Aí vocês iam poder chamar ela de “Agripina, A Maior”. No final, deixaram pelo menos ela morrer em paz.
Naquela época, as mulheres não eram importante. Não podiam governar, nem fazer o mesmo que os homens faziam. Então nós, as irmãs que sobraram, não corríamos risco de vida. Dizem que, hoje em dia, as mulheres podem tudo que os homens têm… até ter qualquer trabalho. Estranho que o contrário ainda não é verdadeiro: nunca vi um homem em trabalho de parto.
O meu irmão menor ainda era muito pequeno pra ser ameaça para o imperador Tibério, logo, deixaram ele viver. Meu irmãozinho tinha sete anos quando meu pai morreu. Quando meu pai era general, ele andava de uniforme de legionário. Parecia mais um soldado em miniatura… era uma gracinha! Daí, deram pro meu irmão o apelido “sandalhinha”, ou “botinha-sandalhinha”, por causa do sapatinho que se usava na guerra. Não são mais fabricados esses tipos de calçados. Hoje em dia, soldado usa coturno. Se fosse hoje, o apelido do meu irmão seria “coturninho”…
Como todo mundo era apaixonado pelo “sandalhinha”, Tibério, ao invés de mandar matá-lo como tinha feito com meus irmãos mais velhos, pegou e criou o meu irmãozinho. Meu irmão era muito queridinho! Ele parecia como um bichinho de estimação… um mascote para o imperador. Bem, o Tibério tinha um palácio em Capri, onde fazia orgia o tempo todo. Era suruba pela manhã, pela tarde e pela noite… era uma suruba sem fim. Foi ali que o Tibério criou o meu irmãozinho “sandalhinha”, embora ele seja mais conhecido pelo apelido dele na nossa língua: Calígula.
Caligulazinho era cuidado por todo mundo… foi criado como um animalzinho de estimação mesmo, só que sem as escamas. Quando o imperador punia algum inimigo, era meu irmãozinho quem mais se satisfazia com as torturas… adorava observar o sofrimento dos outros! Tibério até se assustava com o prazer que Calígula tinha ao ver as torturas. Mal sabia ele o monstrinho que ele estava criando! Mas o Calígula foi tão querido que acabou sendo indicado por Tibério para ser um de seus possíveis sucessores quando morresse.
Meu pai é quem deveria estar no poder… não Tibério. Tibério ficou como imperador alguns anos, até adoecer misteriosamente. Quando ele ainda estava morrendo, Calígula ficou radiante! Tanto que saiu correndo pra dar as boas notícia de que o imperador estava morto. O problema foi que Tibério ainda não tinha morrido! Meu irmão precisou que um amigo dele ajeitasse confortavelmente o travesseiro do imperador. Assim, depois de um tempo ajeitando o travesseiro, em outras palavras, prensá-lo na com bastante força na cara do Tibério, finalmente, meu irmão se tornou o novo imperador de Roma!
Meu irmão Calígula tinha 25 anos quando virou imperador. Isso foi no mesmo ano em que meu filho nasceu. Foi aí que tudo mudou para nós, as três irmãs que tinham sobrevivido. Fomos trazidas do exílio pelo próprio Calígula, que nos premiou como só ele sabia fazer… fazendo da gente suas amantes. A preferida era a Drusila, mas ele comia todas. Como ele estava casado, e sempre fora um marido respeitoso, ele só transava com a gente se a mulher dele estivesse junto na suruba. E como privilégio, ela sempre podia ficar por cima. Isso é que é marido carinhoso! Depois tem mulher que reclama do marido que não baixa a tampa da privada. A mulher do Calígula jamais reclamaria de uma coisa dessas! Até porque, quem reclamava era condenado e executado por traição. Então, ninguém fazia reclamação nenhuma…
Apesar disso, dá até pra dizer que o Calígula tinha bom coração, porque ele gastava muito com os amigos…
Eram presentes para os senadores, para as amantes, para todo mundo… se ele não conseguia agradar alguém, enchia-o de presentes. Era uma das poucas pessoas que realmente podiam começar um discurso com a expressão “Meus caros amigos”… eles custavam caro mesmo.
Todos elogiavam a bondade e os presentes que o Calígula distribuía. Quem não elogiava, morria. Nos banquetes com os senadores, nos quais eles seriam acusados de traição caso não comparecessem, Calígula sempre escolhia a esposa de um deles para fazer sexo… e aí mandava a ver. Literalmente! E ai do marido que não ficasse assistindo. Pior: o marido tinha que ver e gostar. Tinha que mostrar que estava feliz ao ver sua mulher tendo a honra de ser fodida pelo imperador… ou seria acusado de traição, como vários tinham sido antes!
Calígula tinha bastante dinheiro pra gastar, pelo menos no início. Meu bisavô Otávio Augustus havia deixado Roma muito rica com as conquistas feitas em 40 anos de poder. Depois dele, Tibério tinha sido um imperador muito pão-duro, deixando Roma com muito dinheiro em caixa. Meu irmãozinho tratou de gastar tudo… e o que aconteceu? Logicamente, o dinheiro começou a faltar. Ele tinha que dar um jeito de encher os cofres novamente. Foi aí que ele teve uma ideia genial! Calígula fez de nós, suas irmãs, prostitutas: os ricos podiam fazer o que quisessem com a gente no palácio, desde que pagassem fortunas para o nosso irmãozinho imperador…
Agora, imagina só se essa moda pega! Prostituição oficial pra ajudar o tesouro nacional… a mulher do [citar presidente dos EUA, por exemplo: Obama] na Casa Branca… a princesa [citar nome de alguma princesa ou rainha da Inglaterra, por exemplo: Kate] na Inglaterra. Coitadas! Pra resolver o rombo do tesouro nacional elas teriam de aumentar o rombo dos fundos particulares. Imagine a [citar nome da mulher do presidente ou da primeira dama do Brasil, por exemplo: Dilma] dando no palácio presidencial… ia ter de ficar lá por um milhão de anos! E não pense que não ia ter alguém pra pagar o preço… tem muita gente que iria adorar fazer com elas o que eles fazem com a gente!
Bom… voltando à história. Ninguém estava gostado do governo do meu irmãozinho e…. eu, particularmente, já estava cansada de dar por dinheiro e não receber a minha parte. Poxa… com Calígula no poder eu estava fodida e mal paga!
E Calígula era odiado pelos senadores! Quando precisava de mais dinheiro, acusava algum deles de traição apenas para ficar com a fortuna deles.
Nós todas, irmãs do imperador, éramos casadas, apesar de sermos amantes do Calígula. Nessa época, meu filho Lucius tinha apenas 2 anos de idade. Eu estava muito preocupado com o que o Calígula vinha fazendo de ruim. Aliás, tudo o que ele fazia era ruim. Parecia até artista independente!
Uma das minhãs irmãs, Drusila, a preferida do Calígula, ficou doente e morreu. Aproveitamos, eu e minha outra irmã, para transformar o viúvo da falecida em nosso amante. Foi assim que nós conseguimos convencer ele a participar de um golpe contra o nosso irmão… mas o atentado não deu certo. O Calígula “tava ligado” e descobriu tudo.
– Vocês vão ver, suas traidoras! Agora eu vou foder vocês!
– Espera aí, só para esclarecer: isso é a punição ou a gente tá perdoada?
O Calígula estava furioso… mas a punição foi leve: o viúvo da nossa irmã foi executado e a gente foi deportada. Exiladas de novo. Eu já estava acostumada, mas nossos bens foram confiscados pelo Calígula então. Sem dinheiro, tive de sobreviver com o que consegui. No exílio, foi difícil conseguir emprego. As agências não reconheciam nossas habilidades:
– Última profissão?
– Imperatriz e prostituta…
– Olha, sem experiência com carteira assinada, fica difícil… aqui nesta ilha só temos vaga para mergulhador, mais especificamente caçador de pérolas.
– Fico com essa!
Virei “catadora de pérolas”. Foi bom ficar longe dos palácios por um tempo. Eu tinha que mergulhar e nadar todos os dias para achar pérolas para poder sobreviver. Nessa época meu filhinho ainda estava pequeno e o pai do menino tinha acabado de morrer. Ninguém teve pena da gente. Eu fiquei mais ou menos uns dois anos exilada. Pelo menos, aprendi a nadar bem. Foi melhor que academia! Eu já era bonita, mas fiquei com um corpão. Eu nunca pensei que estar lá, exilada e mergulhando atrás de pérolas, ia salvar a minha vida… duas vezes.
Bom, se vocês acham que o meu irmão Calígula era anormal, deixa eu falar do meu tio Cláudio. Meu pai era garboso, imponente, grandioso… mas o irmão dele era uma bosta. A própria mãe, minha avó, achava ele uma coisa monstruosa. Imaginem o filho do Pinguim com o Batman. Minha avó tinha vergonha do meu tio, chegando ao ponto de criá-lo separado, como se fosse um bicho… um monstrinho, coitadinho. Ela, ao invés de contratar um professor pro Cláudio, contratou um tratador de mulas para educá-lo. O que foi uma injustiça: uma mula era muito mais útil.
Uma coisa é preciso dizer: meu tio Cláudio sempre se vestia bem… bem devagar. Ah, e o meu tio sempre foi gentil… ele nunca esqueceu a primeira namoradinha dele. Vocês sabiam que ela tinha rabo-de-cavalo? E não estou falando do cabelo…
Eu estou me alongando sobre a vida do irmão do meu pai, porque o destino interferiu e mudou a vida dele, que vai ser salva justamente pelo fato dele ser um monstrinho…
Eu sei… contando assim até parece filme da Disney mesmo! Mas veja se eu não tenho razão: em Roma, Calígula continuava a fazer o que bem queria… até deu um título de senador ao próprio cavalo. Sádico, ele matava e torturava por prazer.
Quando um senador dizia:
– Hoje, acordei com o pé esquerdo!
Logo, dava graças aos deuses, porque não era incomum alguém acordar sem o pé esquerdo.
Com tanta crueldade, meu irmãozinho foi destronado pelas pessoas que ele mesmo humilhou. Os inimigos atacaram Calígula. queriam matar toda família imperial, mas foi justamente aí que a minha vida foi salva: se eu não estivesse exilada, teria morrido. Meu tio Cláudio, apesar de estar lá, naquele dia, também se salvou por ser uma criatura desprovida de qualidades. Ninguém pensou em acabar com ele, acreditam? Meu tio tentou se esconder, mas nem isso conseguiu:
– Ei, aí atrás dessa cortina… [gesto de abrir uma cortina] O que é você?
– Ti… Ti…
– Nossa… olha como baba. Deve ser algum anão de jardim que solta água pela boca!
– Anão? Desse tamanho? E anão de jardim não jorra água pela boca. Você está confundindo com chafariz…
– Quem iria construir um chafariz tão feio?
– Você é parente do Imperador?
– Eu sou o Ti…ti. Eu sou ou Ti-ti… Ti-ti..
– Ah, ele é o Tite!
Acharam que meu tio era alguma atração de circo perdida e salvaram ele da confusão…
No final, tinha morrido todo mundo. O único sobrevivente parente do imperador para se colocar no trono era o meu tio:
– Cláudio quer ir pro trono! Cláudio quer ir pro trono!
Mas deixe-me falar… dei a volta por cima. Com meu tio imperador, fui perdoada e voltei pra Roma. Até me arranjaram um casamento com um milionário! Que logo morreu envenenado, que tragédia! Chorei tanto… quem faria uma coisa tão maldosa com alguém tão podre de rico?
Bom… continuando. O destino tinha mudado tudo. Meu tio tinha deixado de ser uma mula e virado imperador. O cargo que estava destinado para o meu pai, agora era de Cláudio: mancava, babava, mas era imperador! Ele era o manco babão de maior sucesso da época, e já tinha até se casado três vezes! Quando voltamos do exílio, o imperador estava casado com Messalina. Apesar de manco e babão, as mulheres viam Cláudio como se ele fosse o último biscoito do pacote: velho, quebrado e não-comido.
Essa tal de Messalina foi uma das maiores devassas da história… era realmente uma vagabunda. Aliás, quando eu digo que Messalina era uma vagabunda, eu estou ofendendo as vagabundas. Vagabunda é um termo que está aquém das qualidades da Messalina…
Nem dá para usar a palavra vagabunda, afinal, a da Messalina nunca estava vaga. Ela dava para todo mundo… era só desejar alguém e pronto. E se alguém recusasse, ela denunciava o sujeito para o meu tio imperador… e a pessoa era condenada. Então, todos tinham que matar a sede dela por sexo. Eu a odiava! Ela era uma vaca, ninfomaníaca, rica, que transava com todos os homens de Roma! Que inveja!
Meu tio foi um imperador cornudo. Pra falar a verdade, ele era pouco imperador e muito cornudo. Acreditava em tudo o que a Messalina dizia, não desconfiava de nada. Era um banana, coitadinho. Uma vez, a Messalina fez uma disputa — disputa é uma palavra bem apropriada — contra uma meretriz famosa de Roma para ver quem pegava mais homens numa só noite. Ela ganhou quando chegou aos 25, mas não queria parar. Só foi pra casa porque expulsaram-na do bordel. E adivinhem? Ela voltou pro palácio na hora que o imperador estava acordando… assim, ainda podia dar ainda mais uma.
Finalmente, as coisas deram-se mal para ela. Ela se apaixonou por um homem casado e obrigou ele a casar-se com ela. Foi aí que os amigos do meu tio babão conseguiram convencê-lo de que ela era uma traidora. Levaram ele até a casa do amante, onde havia provas da traição. Mostraram até a certidão de casamento deles. Ele não queria acreditar, mas quando viu que a casa do amante estava repleta de objetos que ela roubava do palácio para dar de presente, ele ficou furioso:
– Meu ursinho de pelúcia! Ela deu pra ele meu ursinho de pelúcia!
O Cláudio então condenou Messalina publicamente por alta traição, média traição, baixa traição, traição frontal, traição lateral e traição por trás — apesar de ser uma traição dolorosa, era uma traição muito praticada. Ela e o amante foram executados.
Eu odiava a Messalina, mas estava pensando em transformá-la em sogra do meu filho. Menos mal que ela já estava morta… dessa maneira, ela seria a sogra ideal para qualquer um.
Ah, o meu tio era um infeliz. Tinha sido rejeitado pela mãe, criado como uma mula, era manco, babão e ainda tinha sido um grande cornudo… o que mais poderia acontecer com ele? Bem… casei com ele!
Foi assim… meu tio estava deprimido. Era meu dever dar uma mão para ele, mas acabei dando mais do que a mão. Afinal, homem não tem sentimentos, só pensa em sexo. Um homem aproximar-se de uma mulher por causa dos seus sentimentos é tão provável quanto um adolescente assistir a um filme pornô por causa do enredo. Já nós, mulheres, precisamos do sentimento… e apesar dele ser vinte anos mais velho, eu me aproximei do meu tio por amor. Era amor ao poder, mas era amor.
As mulheres não podiam se aproximar do Imperador, mas eu era sua sobrinha, portanto, não havia problemas. Enquanto o pessoal discutia quem deveria ser a próxima imperatriz, eu fui me aproximando do tio Cláudio cada vez mais. Meus abraços fraternos me ajudaram a conquistá-lo. Ele já babava normalmente, imagine então na hora do abraço, com um par de peitos sendo esfregados na sua cara. É fácil chamar a atenção de um homem… nada que uma mini-toga não resolva! Mas quem convenceu ele a se casar comigo, foi o seu conselheiro fiel, que, coincidentemente, era meu amante.
Não me julguem por causa dessas coisas! Naquela época, era difícil arranjar um bom amante. Quem acha que latim é uma língua morta, é porque não conheceu os romanos!
Difícil mesmo foi convencer o senado a mudar a lei que proibia um tio de se casar com sua sobrinha. Por que os políticos criam essas leis inúteis? O cara está lá apenas para criar leis. O pior, é que fica anos sem fazer nada de importante e um dia acorda:
– Ah, hoje acordei com vontade de criar uma lei. Já sei! Vou criar uma lei proibindo alguma coisa!
Depois que conseguimos fazer com que a lei mudasse, pudemos nos casar. O primeiro ano do casamento foi ótimo! Claudio já tinha um filho, mas consegui fazer com que meu filho, Lucius, fosse adotado pelo meu titio-marido-imperador.
Além de mancar, Cláudio vivia dando mancada! Para garantir o futuro do meu filho, consegui com que Lúcio se casasse com a filha de Cláudio, a Otávia, que tinha 11 anos. Nada como um bom casamento para fazer o seu filho subir na vida! E ainda tem mãe que quer que o filho estude, que tenha um bom emprego… ah, fala sério! O Lucius só tinha 14 anos e já estava casado com a filha do imperador!
Foi nessa época que meu filho Lúcio trocou de nome. A história dos nomes é assim: o Imperador que veio antes de Calígula, se chamava, na certidão, “Tibérius Cláudio Nero” e o Imperador que veio depois de Calígula se chamava “Tibérius Cláudio Nero” também. Então, adivinhem que nome deram pro meu filho quando ele foi adotado? “Tibérius Cláudio Nero”! Até facilita as coisas, não é mesmo? Se alguém perguntar no vestibular o nome de algum dos cinco primeiros imperadores é só escrever “Tibérius Cláudius Nero” que já tem sessenta por cento de chances de acertar.
O primeiro “Tibério Claudio Nero” ficou conhecido como “Tibério”. O segundo “Tibério Claudio Nero” ficou conhecido como “Cláudio”. Pro meu filho, como terceiro “Tibério Claudio Nero”, só restou o “Nero”.
Mas vamos retomar o enredo. Casei com meu próprio tio – e quem casa com um tio, logo vira tia. Portanto, eu virei tia de mim mesma. Eu sou uma das poucas pessoas que casou-se mais de uma vez e ainda podem dizer que “fiquei pra titia”. Quando casei com meu tio, ele adotou meu filho. Logo, eu virei madrasta do meu próprio filho! Mas meu tio tinha uma filha que havia se casado com meu filho, ou seja, meu tio era sogro do meu filho. Da mesma forma, eu também era sogra do meu filho. Com certeza isso deve ter deixado o Nero perturbado. Quando ele mandou me matar, anos depois, não era a mãe quem ele odiava… era a madrasta e a sogra! Além disso, o meu filho era filho do próprio tio, ou seja, era primo dele mesmo. Essas coisas deixam qualquer um maluco.
Deixa eu falar da Locusta. A Locusta era uma herbalista. Hoje em dia, a gente precisa de cabeleireira, manicure, depiladora, etc. Mas naquela época, uma herbalista era tudo! Era simplesmente o que a gente usava quando queríamos envenenar alguém… era [citar alguém da coluna de fofocas, por exemplo: “o Nélson Rubens”] daqueles tempos. O Cláudio tinha nomeado o meu filho sucessor dele, mas logo desconfiei que o Cláudio ia preferir o seu filho natural, já que Nero era apenas adotivo. Então, chamei a Locusta para uma visitinha…
Claudio adorava cogumelos! Por isso, dei para o Imperador um prato cheiinho deles. Ele comeu, comeu, comeu… e começou a passar mal. Acabou vomitando…
– Além de babão, está virando anoréxico?
O médico achou melhor ele vomitar tudo.
– Cogumelo venenoso faz mal pra saúde…
Nossa, que médico esperto… só não demiti ele porque:
Um) O plano de saúde é que estava pagando;
e
Dois) O médico também era meu amante.
Sugeri que o médico enfiasse uma pena na garganta do Cláudio pra vomitar mais…
Ah, que pena! Que pena que a pena estivesse sem querer embebida de veneno!
– Xi, foi mal… eu não devia ter comprado a pena numa loja de 1,99!
Foi assim que consegui colocar meu filho Nero no trono! E não estou falando de banheiro… estou falando do Império Romano! No troninho, ele já sabia ir sozinho desde seus 13 anos.
Bom, tive um pouco de pena do meu ex-tio e ex-marido, que passou a vida babando e morreu… babando. Mas, falem a verdade… tem alguma mãe aqui? Que mãe não mataria um imperador para melhorar a carreira do próprio filho? O universo está cheio de mães ausentes que deixam os filhos se virarem sozinhos. Eu, pelo menos, sempre procurei dar o melhor para o meu filho.
Nero já tinha então quase dezessete anos. Já era permitido dirigir um império nessa idade. Hoje em dia, já se pode até votar! E ele sempre foi o melhor da turma! Se bem que sempre foi o único da turma. Ah, precisavam ver ele: cabelos loiros, olhos azuis, fofinho… parecia o menino Jesus, só um pouco mais gordinho. Quer dizer, uns oitenta quilos mais gordinho.
Arranjaram alguns tutores para o Nero, porque acharam ele muito jovem para ser imperador. Um dos tutores era Sêneca, o escritor. O outro era Burrus… ô, poxa! Quantas vezes vou ter que dizer que nomes importam? E Burrus, era o que? O outro era Burrus, o prefeito… lógico!
Com meu filho no poder, logo comecei a controlar o que o imperador fazia. Mas os tutores de Nero começaram a influenciá-lo. Então, tentei seduzir meu filho para ele ver como eu era uma boa mãe. Mas não deu certo… foi aí que ele começou a ficar meio rebelde. Então, começou a agir por conta própria. Um dia, quando o filho natural de Cláudio, possível suplente de Nero ao trono, começou a ter uns tremeliques, meu filho logo gritou:
– Deixa, que é só uma epilepsia!
Eu reconheci na hora que era um veneno da Locusta. Dizem que fiquei com medo de ser a próxima vítima do meu filho, mas isso é mentira… eu fiquei foi orgulhosa dele! Dizem, também, que ele obrigou Locusta a criar um veneno que agisse rápido… testou e matou vários escravos até conseguir um bem violento. Diziam que ele era um monstro, mas, hoje em dia, ele seria um gênio da indústria farmacêutica!
Foi nessa época que ele começou a brigar comigo! Queria se divorciar da Otávia, filha do antigo imperador – uma nobre, rica – para se casar com Acte – uma ex-escrava, pobre. Claro que fui contra! Onde já se viu uma coisa dessas? Então nós brigamos…
Achei que ele iria se arrepender e voltar atrás, mas para mostrar como estava falando sério, ele tentou me envenenar — que ridículo! Logo eu, que já tinha usado os serviços da Locusta… é claro que eu guardava os antídotos! Tive de reprimir o meu filho:
– Veneno? Foi assim que eu te ensinei, meu filho?
– Desculpe, mamãe… prometo que não faço mais!
– Ah, não! Sabe que eu detesto coisas mal feitas! Vai repetir até conseguir!
– Mas mamãe, estou arrependido!
– Nada de arrependimento! Isso não é coisa de Imperador!
Nero tentou me envenenar outras vezes, mas desistiu. Viu que veneno não era a praia dele. Então, mandou construir algo no meu quarto…
– O que é que estão construindo lá no meu quarto, em cima da minha cama, meu filho?
– Ah! É uma surpresa pra você! Nunca vai adivinhar o que é!
– Ah, meu filho, que amado… está parecendo um teto retrátil carregado de chumbo que desaba e esmaga quem está embaixo!
– Não!
Bom, nunca mais fui dormir naquele quarto. Quando o Nero reclamava, eu dava qualquer desculpa… dizia que preferia dormir na sala pra não perder a Ana Maria Braga de manhã. Mas, diz a verdade: que mãe que não ficaria orgulhosa de saber que o filho é capaz de construir tetos retráteis que esmagam as pessoas quando estão dormindo? Meu filho era um gênio! Até conto mais… um dia, chegou para mim um convite para um passeio de navio. Lembro-me como se fosse hoje: cartão, flores, bombons… parecia dia das mães! Só faltou o recado com musiquinha do [citar nome de cantor romântico, exemplo: Roberto Carlos]. Ele tinha enviado um navio especialmente para a minha volta à Roma! Ah, que filho amado! No quarto do navio, havia o mesmo teto retrátil. Que mãe não fica orgulhosa quando o filho é insistente, quando o filho não desiste facilmente?
Não funcionou de novo… matou um escravo. Eu sobrevivi porque o mecanismo trancou no sofá quando descia. O dispositivo que ele construiu para afundar o barco também não funcionou! O governo tem sempre esses problemas quando manda terceirizar serviços… o povo tinha de fiscalizar mais as obras contratadas!
O Nero já tinha pensado num jeito alternativo para afundar o navio. A ideia era os marinheiros ficarem pulando em um dos lados do navio, a fim de fazer ele balançar até virar… e eu estava presa no meu quarto, podre de bêbada, com o navio balançando de um lado para o outro.
Parecia mais um voo da [citar o nome de uma companhia aérea, com acidentes recentes, por exemplo “TAM”]. Quando chegamos no meio da viagem, o barco começou a naufragar. Tenho quase certeza que era mesmo uma nave da [citar nome da mesma companhia aérea]…
Na confusão do naufrágio, marinheiros apareceram:
– Onde está Agripina? Onde está a Imperatriz?
Minha escrava, achando que eram amigos que vinham para me salvar, gritou:
– Estou aqui, me salvem!
Os marinheiros meteram o pau nela… no mau sentido. Mataram-na aquela hora, dando remadas nela. Olharam para mim:
– Você, quem é?
– Sou uma mulher que adora marinheiros com paus na mão! Mas não sou imperatriz e nem mãe de meu filho Nero!
Pois é… mataram minha escrava e me deixaram viva. Isso não aconteceria se tivessem me pedido identidade com foto! Só me deixaram ali pra morrer mesmo.
O barco afundou, mas não foi assim que eu morri. Como eu tinha sido mergulhadora e caçadora de pérolas quando estava exilada pelo Calígula, não morri afogada. Nem mesmo que eu tivesse bebido um barril de vinho e estivesse com um braço machucado.
Coincidentemente, eu tinha bebido um barril e estava com o braço machucado, mas eu saí nadando até a praia. Afinal de contas, eram só uns vinte quilômetros. Ainda salvei a vida de três marinheiros que não sabiam nadar… fiz respiração boca a boca e tudo mais…
– Mas, Dona Agripina, estamos faz quatro horas na praia, não precisa mais!
– Nunca se sabe, melhor prevenir!
– Imperatriz… Aí não é a minha boca!
– Mnmnhunn… Uanmnmmn [falando com a boca cheia]
Mandei um mensageiro para avisar Nero que eu estava viva. Eu não queria que ele se preocupasse. Mas meu filho tinha perdido a paciência. Era a quinta tentativa de assassinato que ele falhava! Foi aí que chamou os conselheiros Sêneca e Burrus e o escravo Aniceto…
– Vocês tem de resolver o problema! Minha mãe vai ficar furiosa e me deixar de castigo! Sêneca! Você é um intelectual! Faça alguma coisa!
– Sim, chefe! Burrus… mate a mãe de Nero!
– Ah, eu não posso fazer isso… tenho de brincar de soldadinho com a guarda pretoriana. Aniceto… mate a mãe de Nero!
– Eu? Mas que merda, porque sempre sobra pros escravos o trabalho escravo?
O Aniceto veio me matar na minha casa… ele chegou e eu já fui avisando:
– Se é pra pedir desculpas, diga pro Nero que está tudo bem. Eu sou mãe, eu perdoo ele. O sujeito me deu uma paulada com uma cadeira… ou uma cadeirada com a mesa, que seja. Caí… mas ainda levantei pra reclamar. Se é para me matar, crave logo uma espada aqui, no meu ventre, que é de onde saiu aquele monstro que governa Roma!
Bom, não é que o abestado obedeceu? Poxa, caramba… eu só estava tentando ser teatral! Eu sei que não foi uma frase genial, mas… não dava para ter entendido como uma metáfora ou algo parecido?
Foi então que eu morri. Morri… o resto eu não sei direito. Dizem que Nero, ao ver meu corpo nu na lápide, se emocionou e comentou, entre lágrimas:
– Eu não sabia que eu tinha uma mãe tão linda!
Mentindo sobre o túmulo da mãe morta! Ele conhecia o meu corpo! Fui eu quem tinha iniciado a vida sexual dele. Que sem-vergonha!
Será que ninguém mais respeita a moralidade?
Sei que ele passou o resto dos dias se remoendo de culpa e sendo assombrado pelo meu fantasma. Foi o que li na Wikipedia… mas eu não sei nada sobre isso! Vai ver que os feiticeiros egípcios que ele contratou para exorcizar o meu fantasma tenham feito eu esquecer de tudo… como ninguém filmou e colocou no Youtube, a gente nunca vai ter certeza.
Para quem acha que matar a mãe é coisa de louco, precisa ver o que ele fez depois que eu morri. O Nero se separou da irmã adotiva e se casou com Pompéia… e, quando ela estava grávida dele, ele a matou com um pontapé na barriga. Mas, mesmo assim, uma coisa eu posso dizer do meu filho: ele era fascinado pelas mulheres. Tanto é que começou a usar as roupas delas.
Logo depois, Nero mandou castrar um homem. O pior de tudo é que tratava o eunuco como esposa. Ainda arranjou outro homem e começou a se vestir de mulher, exigindo que o tratassem como esposa dele! Dizem que adorava levar por trás enquanto gritava que era uma moça virgem. Por fim, passou a se vestir de animal e atacar sexualmente garotos e garotas que estavam amarrados em sacrifício:
– Surpresa! Sou uma fera atacando vocês! Miau!
Mas, na vida pública, foi pior. Nero sempre se achou um grande artista… vivia se exibindo no teatro, na poesia, nas canções. Até espetáculo de peidos ornamentais ele encarava. Por falar nisso… hoje em dia, para ver se a pessoa está doente existe exame de fezes, mas por que ainda não inventaram o exame de pum?
Bem… voltando. No teatro, Nero adorava cantar, declamar e representar… e as pessoas tinham de elogiar e aplaudir. Uma mulher grávida teve de dar à luz durante um espetáculo dele… e depois do parto, tanto a mãe quanto o bebê recém-nascido tiveram de bater palmas! Aliás, por falar nisso, se alguém quiser dar à luz aqui, hoje, aproveite… a hora é agora, já que esta peça está quase chegando ao fim…
Essas histórias não são ficção, não! Foram narradas por Suetônio, Tácito e Dião Cássio, historiadores da época. Não contei nem metade da devassidão daquela época porque tenho de ser recatada. Não fica bem uma mulher poderosa como fui falar sobre um monte de putaria. No final, nove anos após a minha morte, meu filho foi obrigado a se matar. Assim morria o último imperador da dinastia Julio-Claudiana.
Bom, desses cinco imperadores, os únicos que não transaram comigo foram os dois primeiros… Otávio que era meu bisavô e Tibério que mandou matar meu pai. Mas só não dei pra eles porque eu nem era nascida ou era criança na época.
Resumindo para quem chegou agora: fui bisneta do primeiro imperador, neta por adoção do segundo, irmã do terceiro imperador, sobrinha e mulher do quarto e mãe do quinto… o quinto dos infernos, eu sei. Mas que mãe não tem problemas com os filhos, né?
Mas o ponto não é esse. Eu tive uma vida de verdade. Minha história é baseada em fatos reais… mais do que reais: imperiais! O que eu estou tentando dizer, é que estive lá, viva, em meio aos primeiros imperadores. Então, entendam minha reclamação e não me chamem mais de “Agripina, a Menor”. Fui “Agripina, tudo”… tudo, menos a Menor.
© Victor M. Sant’Anna 2011
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