Lip Sync (Miniconto de Ficção Científica)


Lip Sync (Miniconto de Ficção Científica)

 

Provei a primeira bola de sorvete, mas o sabor estava errado. Não era abacaxi. Eu pedira “abacaxi” e “passas ao rum”. O primeiro sabor que senti era outro.

– Acho que se enganaram no sorvete, querida! Tem gosto de chocolate, este de abacaxi.
– Chocolate branco?
– Não, está com gosto de chocolate… chocolate mesmo!

Ela sorriu, com seus dentes tortos e lábios finos e ressecados, sempre machucados com feridas ou cicatrizes. Isso é algo que nunca havia me agradado em uma pessoa. No entanto, eu achava minha namorada a mulher mais linda do planeta.

Na verdade, eu achava engraçado meus amigos torcerem o nariz pela minha escolha. Quando conheci Maria, eu me apaixonei instantaneamente, apesar dela ter todos os atributos que meus amigos diriam ser próprios de uma mulher feia. Minha mãe até parara de falar comigo depois de ter confessado que a minha namorada anterior era a nora que ela sempre sonhou.

Minha namorada anterior fazia com que todos os homens ficassem de olhos grudados em cima dela enquanto passava, quase babando. Mas eu, para falar a verdade, sempre a achara muito sem graça. Eu ficara um ano sozinho antes de me apresentarem a ela. Falaram-me que ela era “a” super-modelo que me deixaria de queixo caído. No final das contas, com todos me empurrando para cima dela e tentando me convencer de que não existia mulher mais interessante no mundo, acabei ingressando nessa jornada. O namoro durou exatamente um ano, até eu conhecer e me apaixonar imediatamente por Maria, minha namorada atual.

Provei a segunda bola de sorvete, com cor de “passas ao rum”. Tinha gosto de abacaxi.

– Mas que coisa estranha, amor! – eu disse – o gosto deste outro…

Então, de repente, tudo ficou esclarecido. A bola de sorvete tinha o mesmo sabor do que eu tinha provado anteriormente.

Larguei o sorvete e abracei minha namorada. Ela sorriu de um jeito esquisito e eu toquei meus lábios nos lábios dela. Senti-os como se fossem carnudos, macios e molhados. Minha língua, ao tocar seus dentes, sentiu-os como se estivessem perfeitamente alinhados. Entendi, naquele momento, que toda minha vida estivera fora de sincronia nos últimos anos. Eram os lábios de minha antiga namorada que na verdade eu estava sentindo.

Foi um beijo muito longo. Durante o beijo, ocorreu-me pensar que ainda haveria uns seis meses até que finalmente eu pudesse sentir nos lábios como era aquela mulher que eu beijava.

– Tudo bem? – ela me perguntou, achando-me estranho.
– Sim, meu amor… quero continuar a lhe beijar sem parar pelos próximos seis meses!

E ela sorriu apaixonada.

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